Depois da intervenção de Lucio Costa no sítio histórico de São Miguel das Missões, com seu assertivo projeto e construção do museu (hoje Pavilhão Lucio Costa), fica muito claro que qualquer nova intervenção deve seguir as diretrizes – explícitas e subjetivas – de respeito e conformidade com o bem que se quer preservar, seja do ponto de vista físico – ruínas, muros, pedras e o próprio museu -, seja do ponto de vista do que se imagina ter sido a epopeia das missões guaranis do século XVIII, justamente a partir destes elementos remanescentes na paisagem.
A paisagem
O azul do céu imenso da planura pampeira, o verde do gramado e da vegetação exuberante, e o vermelho óxido de ferro das pedras das ruínas da igreja, do pavilhão LC, ou salpicadas pelo gramado dominam a memória visual de todo visitante. São cores que se destacam quase únicas na paisagem, construindo a tela de nosso imaginário.
O parque histórico e a cidade
A jovem cidade de São Miguel se desenvolveu ao redor do sítio histórico de modo acanhado, mal resolvida, cindida ao meio. Talvez pela força e imponência das ruínas, a cidade nunca tenha encontrado seu foco urbanístico, sua centralidade (necessária a qualquer vila, por menor que seja), sua lógica e seu sentido gregário. Nos passa a ideia de um assentamento espraiado na campanha pampeana.
Um projeto de intervenção no sítio histórico deve levar em conta justamente essa dicotomia hoje existente entre a força do patrimônio construído e a cidade de hoje à sua volta. Deve considerar as necessidades atuais da vida sócio econômica de uma comunidade de base agrícola, com a particularidade de levar em seu “coração” uma riqueza cultural enorme. E este enclave de patrimônio histórico deve ser ativado em favor da comunidade pelo seu potencial turístico; deve colocar a história como aliada na construção da cidade contemporânea e, por outro lado, fazer com que o patrimônio reviva em bases atuais de relacionamento, usos e necessidades.
Referências e “dicas” do lugar
Assim como influenciaram o projeto de Lucio Costa para o Museu, em 1938, as hipotéticas ocupações urbanísticas da redução de São Miguel nos ajudam agora a encontrar uma partida, ou lógica, para o projeto do novo museu e conjunto de construções que atenderão às atividades culturais e de convívio que se pretende implantar dentro do sítio histórico.
O grid espanhol de malha rígida utilizado no ordenamento urbanístico jesuíta, apesar de aparecer somente em resquícios de construções e de marcas no terreno, ou nos desenhos / registros do século, nos dão as dicas para o projeto. Dão-nos segurança na conceituação e adoção de imagens e formas, que mesmo longínquas ou simbólicas, sustentam nosso ordenamento de módulos à moda da cidadela missioneira.
A pedra vermelha das ruínas, também utilizada por Lucio Costa no Pavilhão, nos sugere o caminho a seguir, seja utilizando o concreto ciclópico com a própria pedra gres, seja utilizando o concreto armado pigmentado em oxido de ferro, criando um continuum tectônico interessante de respeito ao patrimônio construído, sem sobreposição, mas também sem submissão. A utilização de tecnologias modernas de construção reforça essa distinção dos tempos fazendo com que o concreto se afirme como nossa pedra contemporânea.
O projeto do novo conjunto museológico e de convivência
O programa de atividades e usos propostos pelo Iphan e pela municipalidade está pautado em nosso projeto pelas ideias de acolhimento e convivência: um grande receptivo para o visitante turista e para o habitante local ou da região; um polo de atendimento às demandas de mais conforto e adequação para as atividades de convivência do Centro de Tradições Nativistas, para as atividades técnico administrativas da Secretaria de Turismo do Município, e para os escritórios do Iphan e do Ibram, com seus laboratórios, biblioteca, salas de pesquisa. Tudo isso integrado e em consonância com o funcionamento de um novo museu que venha enriquecer a experiência da visita ao sítio.
O museu, tecnologicamente bem equipado, permitirá ao visitante não apenas conhecer e apreciar o rico patrimônio material existente, como, através dos mais modernos recursos expográficos, ampliar seus conhecimentos sobre a aventura humana que se deu ali, com o encontro de povos e culturas e a constituição de uma experiência única.
A cidadela
Ocupando duas quadras cortadas pela Rua São Nicolau, o novo conjunto será articulado por uma grande – e longa – praça em seu miolo. Esta praça, circundada pelos edifícios vermelhos em concreto e pedra, trará, mesmo que longínqua, a memória dos claustros e pátios dos colégios jesuítas. De um lado, em uma das quadras, alocaremos a Secretaria de Turismo, o novo CTN (preservando o “rancho crioulo” octogonal), e do outro, o novo museu, o Iphan, o Ibram, os auditórios e as áreas de apoio, além de reservas técnicas.
A Casa M’Biá Guarani
Como parte e extensão do conjunto da cidadela, do lado do novo museu, projetamos uma nova casa de passagem para os índios Guarani, integrada ao conjunto - próxima aos espaços turísticos de venda de seus produtos – mas também com privacidade para as famílias pela possibilidade física de isolamento com seus muros e hortas.
A esplanada cívica
Com a proposta de fechamento para o tráfego de automóveis do trecho da avenida asfaltada (Antunes Ribas) que corta atualmente o parque ligando os dois lados da cidade, propomos em nosso projeto a criação de uma verdadeira esplanada cívica. Esta esplanada poderá abrigar uma série de atividades comunitárias, além de receber os cavalarianos em suas festividades. Como parte do projeto de urbanização, propomos também que a esplanada seja pontuada por um “caminho” de marcos expográficos que contarão, numa linha do tempo criada com objetos reais, réplicas, mídias digitais, a saga missioneira.
Ficha técnica
Projeto - Complexo Cultural do Sítio de São Miguel Arcanjo
- Início do Projeto - 2014
- Programa - Museu, Centro de Tradições Nativas, Departamento Municipal de Turismo, Centro para o Povo Guarani e Desenho Urbano
- Área do Terreno - 19.500m²
- Área Construída - 8.571m²
- Local - São Miguel das Missões, RS, Brasil
- Autores - Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz e Carlos Eduardo Comas
- Coautores - Luciana Dornellas e Victor Gurgel
- Colaboradores - André Villas Boas, Anne Dieterich, Anselmo Turazzi, Cícero Ferraz Cruz, Felipe Zene, Gabriel Mendonça, Gustavo Otsuka, Harold S. Ramirez, Hayako Oba, Julio Tarragó, Laura Ferraz, Pedro Freire, Rafael Saldanha Duarte, Vinícius Spira e William Campos
- Estagiários - Carlos Eduardo Castro, Gabriel Carvalho, Guilherme Tanaka, Juliana Ricci, Laura Peters, Marina Sousa, Pedro Renault, Roberto Brotero e Vinícius Rigonato
- Maquete Física - Guilherme Tanaka
- Modelo Eletrônico - André Sauaia e Fred Meyer
- Curadora - Isa Grinspum
- Curador Assistente - Marcelo Macca
- Museologia - Cecília de Lourdes Fernandes Machado
- Antropologia e Linguística - Bartolomeu Meliá
- Antropologia - Daniel Pierri
- Arqueologia - Arno Kern
- Etno-História - Jean Baptista
- Literatura - Aldyr Garcia Schlee
- Música - Leonardo Waissman
- Arte Barroca - Flávio Gil
- Pesquisa - Marcos Grinspum Ferraz
Projetos Complementares
- Comunicação Visual - Homem de Melo & Tróia Design
- Luminotécnica - Ricardo Heder
- Iluminação Cênica - Guilherme Bonfanti
- Tecnologia Expositiva - Peter Lindquist e Nicola Bernardo | KJPL
- Estrutura e Fundações - Paulo Henrique Lemes Araújo | Oliveira Araújo Engenharia
- Hidráulica, Drenagem e GLP - Gabriel Pereira dos Santos | Oliveira Araújo Engenharia
- Elétrica e Cabeamento - Dulcirene Maria Aires de Oliveira e Eduardo Cavalcante Lemos Filho | Oliveira Araújo
Engenharia
- Sonorização e Acústica - Paulo Gomes | Oliveira Araújo Engenharia
- Climatização - Luiz Henrique Otto de Santana | Oliveira Araújo Engenharia
Consultorias
- Maquete - Ricardo Mendes
- Criação Audiovisual - Ariel Ortega, Cao Guimarães, Leandro Lima, Marcelo Gomes, Tatiana Toffoli e Vincent Carelli
- Antropologia - Georg Grünberg e Manuela Carneiro da Cunha
- Produção Audiovisual - Vincent Carelli
- Criação de Interfaces Digitais e Aplicativos - 32 Bits